sexta-feira, 31 de março de 2017

Fantasma

Me revirei na cama. Enquanto virava, senti algo me empurrando pelas costas, como se dividisse a cama comigo. Não era o sono compartilhado do Kundera, (o "corpo de delito do amor"), mas dormíamos juntos, desencaixados, parecendo aquelas noites pré-término de relações falidas, sabe? Me incomodava e eu empurrava como que num chega pra lá, mas não adiantava. Escutei alguém na cama ao lado dizendo: Hey, psiu! Tá nas suas costas, aí óh, nas suas costas!
Eu abri os olhos e procurei. Não vi nada. Nas minhas costas? Um espectro, algo anexado, colado, juntado. Uma extensão mesmo, acoplada de maneira que não dava pra apertar um botão e ejetar. Era uma parte de mim, ou um parasita. Já não sei qual a diferença. Insetos comichões de sexo, sangue, e olhares. 
Ouvi, como dizem aquelas ciganas baratas de beira de estrada: Isso aí, nas suas costas! Moça, você está presa num círculo o qual fica rodopiando e não consegue sair. Um círculo que você gira, gira, e não consegue sair. É isso aí nas suas costas, óh.
Acordei, fui ao banheiro e, sem motivo aparentemente, assim como o sussurro de um fastasma ao pé do ouvido, lembrei de você me mandando mensagens de bom dia. Incomum. Almocei, lembrei de você e das panquecas. Fui ao mercado, lembrei de você e dos chocolates ruins. Assim o dia se escorreu numa rotina interna vivida no passado. Não precisa de análise pra saber o que dividiu a cama comigo naquele dia, que me parasita, e se esconde em páginas de diários velhos, guardando o cheiro impregnado naquela sala que não era pra ser seu. Um espectro anda comigo, e me mantém como um morto-vivo na rotina interna vivida no centro da Roda da Fortuna. Um karma.