sexta-feira, 31 de março de 2017

Fantasma

Me revirei na cama. Enquanto virava, senti algo me empurrando pelas costas, como se dividisse a cama comigo. Não era o sono compartilhado do Kundera, (o "corpo de delito do amor"), mas dormíamos juntos, desencaixados, parecendo aquelas noites pré-término de relações falidas, sabe? Me incomodava e eu empurrava como que num chega pra lá, mas não adiantava. Escutei alguém na cama ao lado dizendo: Hey, psiu! Tá nas suas costas, aí óh, nas suas costas!
Eu abri os olhos e procurei. Não vi nada. Nas minhas costas? Um espectro, algo anexado, colado, juntado. Uma extensão mesmo, acoplada de maneira que não dava pra apertar um botão e ejetar. Era uma parte de mim, ou um parasita. Já não sei qual a diferença. Insetos comichões de sexo, sangue, e olhares. 
Ouvi, como dizem aquelas ciganas baratas de beira de estrada: Isso aí, nas suas costas! Moça, você está presa num círculo o qual fica rodopiando e não consegue sair. Um círculo que você gira, gira, e não consegue sair. É isso aí nas suas costas, óh.
Acordei, fui ao banheiro e, sem motivo aparentemente, assim como o sussurro de um fastasma ao pé do ouvido, lembrei de você me mandando mensagens de bom dia. Incomum. Almocei, lembrei de você e das panquecas. Fui ao mercado, lembrei de você e dos chocolates ruins. Assim o dia se escorreu numa rotina interna vivida no passado. Não precisa de análise pra saber o que dividiu a cama comigo naquele dia, que me parasita, e se esconde em páginas de diários velhos, guardando o cheiro impregnado naquela sala que não era pra ser seu. Um espectro anda comigo, e me mantém como um morto-vivo na rotina interna vivida no centro da Roda da Fortuna. Um karma.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

A realidade líquida é bruta

E leve demais
Pesa nas minhas costas
E cada um que passa por mim
Levemente
Me leva mais
Me pesa mais e me rouba um pedaço

Isto que vê
Já não sou eu
É uma versão reduzida
Do que sobrou
Uma versão mais leve
Uma edição de bolso

Me desfaço como areia
Em ampulhetas burocráticas
Me cobrando um tempo que se foi
Enquanto o relógio marca pesos
Uma hora para acabar
O que eu nem vi começar

Produza
Reduza
Volte
Ame

Esqueça.

domingo, 21 de agosto de 2016

Pérola negra.

Para João.

A primeira vez que eu lhe vi, era como se eu avistasse um continente jamais descoberto pela humanidade, depois de dias à deriva em alto mar, oriunda de terras que fui banida, ou abandonei por vontade vã, terras líquidas. Conforme me aproximava, percebi uma ilha, algo paradisíaco visto de longe, fiquei imaginando o quão não havia alí para descobrir, e por algum motivo, não me pareceu líquida como as outras. Em um lapso do primeiro piscar de olhos, quis pisar na tua terra, sentir tua areia entrando por debaixo das minhas unhas, mergulhar na tua praia, desvendar teus mistérios... te conhecer. 
Não esperei de fato um dia, aportar meu barco alí, mas para minha surpresa, sorte, ou azar (nunca há de se saber), suas águas puxaram o meu barco para ti, e quando dei por mim, você havia abarcado em mim. Queria que eu lhe conhecesse.
Queria que eu lhe conhecesse, e queria me conhecer, como podia ser?! Foi um regozijo, uma sinfonia inteira em forma de noite à luz de um abajur velho, no calor que você odiava. Te mostrei o meu barco, te convidei para sentar-se à proa, e você queria saber. Eu sentia tua euforia, ouvia tua vontade de mostrar tuas terras à mim, e eu apenas ouvia mesmo... absolutamente curiosa, apreensiva, com um pouco de medo. Existem coisas afinal, que preferimos cultivar no mundo das idéias, e isso me bastaria talvez. Você na idéia, era confortável, porém, ali você estava se tornando real, e consequentemente, parte da realidade líquida. Eu podia ver coisas que eu não imaginaria que havia em ti. A ilha não era perfeita, afinal. E adivinhe: Isso foi o que me deslumbrou, absolutamente. Me encantei realmente pelas imperfeições, obscuridades, pelas diferenças, pelas árvores que outras pessoas cortaram e rastros, em meio à sua floresta que eu desbravava.
Assim, fui me adentrando, com cuidado, pois, sabia que talvez a ilha não quisesse que eu passasse além da praia. Tentava não demonstrar o quão eu queria estar ali, tentava não demonstrar o quão você superava minhas expectativas, tentava não demonstrar que eu me perdia naquele lugar [porém, nem eu mesma sabia disso naquele momento]. Tentava fazer tudo que eu não queria fazer, e mesmo assim, acredito que não tenha tido muito exito em meus fingimentos aos seus olhos, sempre achei que você via. - Somos educados a ser rígidos, duros, auto-suficientes, deslumbres e expectativas são para imbecis, "não podemos esperar nada, não podemos contar com ninguém, não podemos criar expectativas". - Bullshit, hoje eu sei o quão escapista e traumatizado é esse pensamento, mas sempre foi assim que pensei, fiz como a maioria. Temos que ser mornos, afinal.
Por isso, tentei também, ir para outro lugar. Por que? Talvez para mostrar que não estava tão deslumbrada assim, a ponto de largar uma rota que eu já havia planejado antes de te descobrir em meu mar. Algo me dizia para ficar, mas eu queria acreditar que quando eu voltasse você estaria ali para eu continuar a deixar minhas pegadas em você.
Falhei. Falhei e não consegui dizer que sua ilha era tudo e mais do que eu esperava, e ouvi você dizer: Eu não estou sendo o que você esperava.
Dentro desta frase, as águas da praia secaram no momento do meu salto de volta pra você, e eu caí num chão vazio e arenoso. Naquele susto, corri pro meu barco, mas não queria ir realmente. Tentei fingir que eu queria ir embora, e que isso não era um problema pra mim: Eu lhe entendo, eu disse. Não, não entendia.
Chorei quase todo aquele mar de água salgada onde meu barco havia voltado à deriva. Sem norte, sem bússola, sem saber o que eu perdi. O que eu perdi? Me perguntei incansavelmente. Em qual parte do filme eu dormi, pra ter acordado nos créditos?
Tentei (novamente, essa palavra), lhe mostrar alguma das minhas lágrimas, como se você quisesse alguma. Voltei à tua ilha, cheia de águas para derramar nas tuas mãos, e pensei: olha quantas águas ele tem, por que uma lágrima salgada minha seria relevante, em meio a essa realidade tão líquida? De que o serviria uma lágrima a mais nas águas "desatraídas" dele? Então, tudo que consegui fazer foi pisar na tua terra novamente, deixar suas areias entrarem debaixo das minhas unhas sujas uma última vez, e ouvir você ler uma lista de sentimentos que havia escrito, enquanto eu não conseguia pronunciar nenhum.
Nem um. Nenhum nome de sentimento saiu da minha boca, e me afoguei na volta pro meu barco, das águas que eu engoli, e dos sentimentos que eu relevei, por ver sua ilha se desfazendo como uma miragem ao horizonte.
Não dá mais pra voltar, perdi o caminho, eu sei. Tenho certeza que muitas outras pessoas passarão por lá, e espero que sejam estadias mais longas do que a minha, que dê frutos para a sua terra fértil, como eu não tive tempo de dar. Hoje, tento apenas guardar um grão de areia que tenha sobrado debaixo da minha unha, como uma ostra guarda os grãos que entram em seu corpo, os transformando em pérolas. Uma pérola negra, rápida, dolorida e valiosa, assim ei de lhe guardar.
Depois de ti, não mais aportarei em terras de amores líquidos.

19/05/16

sábado, 23 de janeiro de 2016

Fundo

Eu estou vazia
Eu estou uma merda vazia
Uma vazia de merda, onde nem merda há
Não há nada aqui
Tudo está no fundo
Não há tradução
Um dialeto vazio
Sem significantes
Algum significado deve haver
Pra tanto vazio
Porque é muita coisa, pra pouco espaço
E é tanto vazio, pra tanta coisa

Nada mais é novo
O destino emenda acontecimentos
E remenda a gente
O que eu falo?
Falo nada
Sinto muito
Sinto tudo dentro do vazio
E ele é cheio
Mas não consigo comunicar
Te mandar um sinal
E fico tentando interpretar os teus sinais...

To cheia do vazio que eles deixaram pra mim
Deixaram como num depósito
Uma caixa funda
Que tudo está no fundo, e eu não alcanço
Eu não consigo te dizer
Eu não consigo dizer o tempo
Sou uma pedra em queda livre
Chorando águas passadas
Querendo o presente
E esquecendo o futuro
Por medo de você ser só mais um pedaço
Do vazio que um dia estará no fundo
Para eu nunca alcançar
Eu queria mais que isso...

É preciso compactar
Compactuar com coisas que não sei o que
Ele me disse certa vez, que eu estava sendo como
Um suspiro profundo e aliviante numa varanda
E eu guardei esse suspiro no fundo da caixa
Que já me sufoca e não consigo mais suspirar
E pirar, achando que você possa ser o meu próximo suspiro
Derradeiro, não ligo
Desculpa mas não cabe mais nada no meu vazio
Me ajude a respirar, suspire comigo


Eu quero um começo! Eu preciso de um começo, para os meus finais.

quarta-feira, 30 de maio de 2012


"Uma pessoa, quando tá longe, vive coisas que não te comunica, e tu, aqui, vive coisas que não a comunica. Então, vocês vão se distanciando e, quando vocês se encontrarem, vocês vão se falar assim: oi, tudo bom e tal, como é que vão as coisas? E aí ele vai te falar, por cima, de tudo que ele viveu, e, não sei, vai ser uma proximidade distante. Não adianta, no momento que as pessoas se afastam, elas estão irremediavelmente perdidas uma da outra."

Um texto perdido.

Mergulho.

Você é uma folha em branco para novas pessoas pintarem.
Um belo dia nem tão belo, não é data comemorativa, não tem ritual, e não tem motivo. Você só e simplesmente acorda uma folha em branco para novas pessoas mancharem-te ao tom do novo tempo.

Ciclo.

Da primeira à última manhã
A gente se promete, remete, impõe
Que daquela primeira à última manhã
A gente sai do centro do círculo
E passa a vê-lo por inteiro

A vista é torta, a dor vê pouco e demais
A mentira é sincera, e sabe acreditar
A culpa sabe amar mais que o amor
O ego entende mais de dor do que a falta
O centro é um vício
O ego é um vício
A culpa é um vício
O amor é a vítima, mentirosa!
Que de tão sincera, passa a não existir
Por aquela última manhã

Da primeira a ultima manhã
Fecho esse ciclo
Você não foi amor
Você era um vício.
E há de alguém dizer que amor nada mais é do que um vício
Jogado num texto cru
Com cheiro de recomeço.

domingo, 13 de maio de 2012

Um presente.

"O Chocolate

Gostos de chocolates
em peles de chocolates
em todas
as coxas
em momentos de músicas cubanas
com Garcia Lorca
ao pé da cama.
Juntos,
reunidos na mesma forma
que tantos 
partilharam num uníssono
sussurro ininteligível.
Por toda madrugada.
Hasta!

Recordar o acorde
Mágico
de nosso despertar
já pela manhã
que começou à tarde.
O aroma
Extasiante
do mais puro
e singelo
e sedutor
Chocolate.
Humn!
Em teu corpo sabor chocolate
movimentos delicados de esmero,
Bom dia, já é tarde, tenho que ir...
E como é difícil
este adeus."

Um inesquecível presente.
De Paulo.
11/09/2011 

Vício.

E essa eterna falta do que dizer. Não tô cansada.
Dizem que desistir é para os fracos. Desistir é para os fortes, é preciso bem mais que coragem, é preciso coragem e inteligência, de desistir na hora certa, pela causa certa, ou simplesmente pela causa que te é conveniente.
E esse medo, esse nó no estômago como uma faca rodando e te contorcendo inteiro pela manhã de domingo. Não tô cansada.
Os sonhos gritam! Mas eu insisto, eu insisto com minhas entranhas, insisto pela dor que já existe, insisto com o vômito engolido, nem que seja só de pirraça. Nem que seja só até o dia certeiro, e até ter coragem o suficiente para desistir de você, de nós, e de mim. Daí então eu consigo o que tanto insisti.

Não me vale.
Cansei, vou insistir mais um pouco, já amei demais por hoje.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Benzinho.

Se eu te crio
é por ilusão
se eu te iludo
é por amor
se eu te amo
é por ódio
se eu te odeio
eu te mato
e se eu te mato
é por ciúmes

ciúmes
ciúmes
te como
ciúmes
te bato
ciúmes
te sugo
ciúmes
te cuspo
ciúmes
declaro
ciúmes
apego
ciúmes
te mato
ciúmes
e morro
ciumento

Tudo é ego.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Por cima.

Para Tiago.

Eles olham
Eles sofrem
Eles cobiçam
Eles machucam
Eles tremem
Eles mentem
Eles somem
Eles soam
Eles exageram
Eles posam
E como posam
Eles confundem
Eles bebem
Eles esguicham
Eles pensam
Eles distraem
Eles dormem
Eles inflam-se
Eles seduzem
Eles enojam
Alguns amam
Eles masturbam
Eles irritam
Eles escapam
Eles perdem
Eles pouco se fodem
E fodem
Eles enjoam
Eles fixam-se
Eles gostam
Eles gozam
Eles abusam
Eles emburrecem
Desapegam-se

E eles dizem: É o par de seios mais belo da minha vida
Ela ri.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Impossível - Maria Martins. (escultura)


Eu grito no vácuo da tua boca, cuspo tua saliva, engulo teu catarro, de longe. Só vontade, crua vontade, regurgita nossas formas. Formas tortas, por assim iguais, e impossíveis em seu encaixe. Não há encaixe. Encaixote-me longe de você, afasta-me dos teus seios, que os meus, já arranco, quisera sem sentido, fodesse. Capte-me tanto à angustia, quanto a um puro deleite de bronze em estátua. É impossível, nós, de dois em um. Impossível e surreal, de que tão abstrato seja.

- Texto feito especificamente para a obra "O Impossível" (Maria Martins, 1940), de uma expressividade inexplicável em mim.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

o lírico, onírico.

Ontem eu finalmente tive um sonho. Não com você: eu sonhei você.
Sonhei a estrada. E eu olhando o mapa, este, cujas rotas me lembravam ligações cerebrais, em tom roxo, em tom sépia, em Tom Zé no rádio do carro. A mala me trouxera ao posto. Para mim, uma aventura. Para você, uma loucura. Varrida. Doente. Incógnita. Assim me chamei, e fui te chamar, para ver a boa nova.
Eu sonhei você. Es te vi na tua porta. Uma música toda, parado em minha frente, me olhando assim assado, e assim assando minhas vontades sobre você. Imagens coloridas nossas, se mesclando com o seu rosto estático no portão, sem piscar. Eu não soube para qual quis olhar, mas eu vi!! Ah vi, seus olhos líricos: me chamando colorido, me odiando azul noturno, me conhecendo amarelo dia, se enjoando acinzentado chuva, me amando em preto e branco. Eu e minhas malas perguntamos, "será lírico, ou apenas... onírico?"

Acordei, engomei a bagagem, e fui embora.

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Para Jonas.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Minha dessabença

Ao meu senso
Não o pó
Ou o átomo
Não o câncer
Nem o genoma
Não o verde
Ou a organela
Não o micro
Nem a energia
Não o macro
Ou o cosmo
Não a extinção
Nem a explosão

Meu problema
São as datas comemorativas

Não a fome
Nem a seca
Não a poesia
Ou o trema
Não a cultura
Nem o ufanismo
Não o lado certo
Ou o Calabar
Não a censura
Nem o Parangolé
Não o véu
Ou a humilhação

Não me importo
Nem me concentro
Ou me estudo
Se tu não estás como outrora

Meu problema agora
São as datas comemorativas

Comemorando números
Em memórias de mim
Presenças
Em ausência de ti
E ausências
Em presença de outros
As datas comemorativas
Comemoram nossa falta
Desse ano
Em fartura de
Anos passados

O problema do mundo
São as datas comemorativas
Ademais, meu problema é amor
E amor é a dessabença do meu mundo.

domingo, 11 de abril de 2010

Culto Curto

Quero ser do interior
Chega desses livros descritivos
Você gosta enquanto
Não é protagonista

Queria ser caipira
Não esses homens de bigodes
Em preto e branco
Aceitem sua época

Queria ser caipira
Os poemas sobre o vaso
Não resumem a cena
Quero a cena seca

Queria ser caipira
Culto nada
Curto tempo pra isso
Curto saco pra eles

Queria ser caipira
Pois no interior
Todo culto
É curto

e vice-versa

domingo, 4 de abril de 2010

Peripécias de 4ª série.


03:31 da manhã! Veio-me à cabeça uma lembrança muito clara. O evento ocorreu 9 anos atrás, na minha sala da 4ª série B, e desde então, eu nunca mais havia me recordado disso.
Estávamos numa aula qualquer, quando a diretora (a chamada "Burdogui") entra e chama pela Vanessa, uma garota que sentava no fundo da sala, meio rejeitada popularmente por causa dos cabelos esvoaçados de tom cinza. Era feia.
O motivo da chamada foi o seguinte:
Cerca de uma semana antes disso, essa garota estava mudando seu quadro de rejeitada, e ficando popular, pelo fato de estar pagando lanche para a maior parte da sala no recreio. Eu ouvia os cochichos das outras crianças, dizendo que haviam ganhado salgadinhos da Elma Chips, com figurinha do pokemon dentro, balas, dadinhos, e até risoles e cochinhas de frango, especialmente a Juliana, uma loira Pop. Eu não estava inclusa na lista de presenteados, não sei porquê, desconsiderando o fato de que minha popularidade era tão "boa" quanto a da própria Vanessa, salvo os cabelos e o altruísmo momentâneo dela.
Até aí, eu mal tinha me tocado, ou parado para pensar na situação financeira da dita cuja, e muito menos na razão de tudo isso: estava ocupada demais na minha carteira, pensando no episódio de El Hazard que eu assistiria a tarde.
Porém, nesse dia em que a diretora chamou-a na frente de todos, esclareceu-se o caso! A Vanessa levantou da carteira, cabisbaixa, e foi até a porta, onde estavam a diretora, a professora Ione, e uma mulher magrela, que eu pensava ser coadjuvante inútil da cena.
Essa mulher magrela era mãe dela, e lembro da sala inteira ter visto e ouvido ela falar em voz alta - "Por que fez isso Vanessa?" - quando a diretora interrompeu e nos mandou não aceitar mais presentes dela, pois eram comprados com dinheiro roubado, adivinhe de quem; Da própria mãe. Quase todo o salário da coitada.
Isso foi dito em público, com todos presentes: mãe, filha, e idiotas figurantes como eu. No dia seguinte, eu já havia esquecido, preocupada com meu novo mangá. Mas ainda sim, ouvia cochichos em todo lugar, e só hoje, fui refletir em como isso foi dolorido e dramático!

Tudo culpa do filme "Os Incompreendidos", de Truffaut, que acabo de assistir. É tolice ver essas coisas antes de dormir...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Dancing with myself


Não tenho isso
Eu tenho é gosto
Aquilo também não
E eu gosto
Nunca tive
Mas sei que gostarei
Uma vez mais, gostosa
Não sei de nada
Sei meu gosto
Não tenho nada
Eu tenho gosto
Eu só tenho gosto

Eu tenho muitos gostos
Todos os gostos
Gosto de todos

Eu tenho tudo
Do mal gosto
Gosto bom

Não sei de nada
Mas gosto, eu tenho.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Haja graça.


O bizarro, a comédia, e o drama, são cada dia mais, a mesma coisa para mim. O chocante dá lugar ao cômico que, na verdade, oculta o patético das pessoas que sofrem.

Assim, desfrutemos nossa cotidiana comédia.

Rosa Púrpura do Cairo - Woody Allen


Assistir a um filme, é como perder sua identidade por alguns minutos, para viver uma história desconhecida até então, ser outra pessoa, apaixonar-se, ou odiar alguém. Em determinadas ocasiões, inconscientemente, temos a sensação de que o próprio filme nos assiste, pois alcançam desejos, traumas, ilusões que temos, e sempre com um personagem do qual mais nos identificamos. Woody Allen sabe fazer isso comigo. Os filmes dele me assistem, da mesma forma que os filmes hollywoodianos da década de 30, assistiam Cecília (Mia Farrow), a protagonista de A Rosa Púrpura do Cairo.
Com uma explosão de metalinguagem tratando-se de cinema, o filme conta a história de uma garçonete pobre, ingênua e gentil, vivendo em plena a grande depressão americana. Tendo um marido que a traía e machucava, e um trabalho medíocre, ela encontrava conforto no cinema, o qual a fazia sonhar com todo aquele glamour que este vendia. Diante do desemprego, tensão econômica e política desse intervalo entre guerras, hollywoody promovia como nunca o american-way-of-life, o sonho americano de luxo e liberdade, com os sensuais cigarros, charutos, a Coca-Cola, e os Ford-T's passeando pela cidade. Cecília é o esteriótipo de cidadão da época, que ia ao cinema para penetrar na tela, viver o amor que sempre quis, e esquecer sua vida por alguns instantes. Porém, a pitada de comédia irônica de Woody Allen entra em cena, quando Cecília vai ver o novo filme em cartaz, "Rosa Púrpura do Cairo", pela 4ª vez, e um dos personagens, Tom Baxter, (Jeff Daniels), sai da tela e a convida para fugir com ele. A partir daí, seguem-se cenas impagáveis, de Cecília mostrando o mundo real ao galã.
Uma delas, se passa num restaurante caríssimo, o qual, depois de um jantar romântico, ele paga a conta com dinheiro falso, dizendo, "Oras, sempre aceitaram esse dinheiro no filme", e assim, eles saem correndo sem pagar, entram num carro alheiro, e Tom diz novamente, "Ele não está andando! Os carros sempre andam no filme." E então, com um jeito meigo, inocente e apaixonado, Tom conquista Cecília; isto é, até o ator verdadeiro aparecer, querendo levar seu personagem de volta às telas, e alegando gostar de Cecília também. Assim, a protagonista solitária, se torna a mocinha do filme, docemente encantadora e desejada por dois homens perfeitos (um do mundo real, e outro fictício).
Allen consegue misturar fantasia, romance, comédia, ironia, e crítica ácida de um jeito cativante, e ainda fechar com um final totalmente realista, contrastando com todo o decorrer do filme, para quem esperava algo "água com açúcar", é simplesmente um tapa na cara.
Rosa Púrpura do Cairo, com certeza é merecedor dos vários prêmios que ganhou, como: Oscar de melhor roteiro original (1986), Cannes (1985), BAFTA(1985), dentre outros, embora Woody não dê a mínima para isto. Na entrevista que deu para a Folha de S.Paulo em 2006, ele falou o seguinte sobre premiações:

"Não vou a esses eventos porque desgosto deles. Acontecem na Califórnia, eu moro em Nova York, tenho que pegar avião, viajar milhares de quilômetros, atrapalhar minha rotina, uma chatice, prefiro ignorar. Artisticamente não significam nada."

Para encerrar, colocarei aqui uma das frases que me fazem amar este indivíduo: "As pessoas sempre me enganam em duas coisas sobre mim: pensam que sou intelectual (porque uso óculos), e que sou um artista (porque meus filmes perdem dinheiro)." - Woody Allen.

fikdik

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Um diálogo.


ANDRÉ diz:
. eu ando pensando bastante na sensação que dá quando você vai num lugar onde pessoas que você conheceu moraram
. ou você mesmo
. eu fico em transe sempre que passo perto da casa onde passei minha infância
lídia diz:
. hm
. sabe, agora que tocou no assunto
. acho que isso pode explicar a minha ânsia indireta de sair de casa ou da cidade
. talvez eu queira sentir esse transe que você sente
. eu sempre morei aqui
ANDRÉ diz:
. bem pensado
. morar sempre no mesmo lugar dá nisso
. mas a sensação geral pra mim é de tristeza em relação a esses lugares
lídia diz:
. mas... isso não deveria ser uma coisa "boa"? Se não, eu não teria o impulso de almejar...
. eu já me imaginei olhando a árvore da frente da minha casa, daqui uns 30 anos
. me lembrando de "quando minha avó era viva"
. seria uma tristeza, mas ao mesmo tempo
. não sei... um sentimento hipotéticamente vivo e interessante
. não sente isso?
ANDRÉ diz:
. sinto sim
. é aquela velha sensação de nostalgia, não é?
[...]
[...]
lídia diz:
. acho que se a nostalgia fosse uma pessoa
. seria daquelas que você ama e odeia ao mesmo tempo
. aquelas bipolares
. que te fazem rir, como fazem chorar
. mas uma pessoa excepcionalmente reservada
. que dizem ser "meio morta"
. mas que te faz sentir vivo ao estar perto dela
. um negócio meio paradoxal, sei lá.
ANDRÉ diz:
. então, você pode interpretar a nostalgia como sendo nós mesmos
. todo o contraste da coisa
lídia diz:
. tem razão
. o nós do espelho... talvez?
ANDRÉ diz:
. hmm
. realmente
. parece ser uma boa visão das coisas
. ou de nós.
_________________________
A conversa foi mais ou menos assim, tirando os erros de digitação no msn.