A primeira vez que eu lhe vi, era como se eu avistasse um continente jamais descoberto pela humanidade, depois de dias à deriva em alto mar, oriunda de terras que fui banida, ou abandonei por vontade vã, terras líquidas. Conforme me aproximava, percebi uma ilha, algo paradisíaco visto de longe, fiquei imaginando o quão não havia alí para descobrir, e por algum motivo, não me pareceu líquida como as outras. Em um lapso do primeiro piscar de olhos, quis pisar na tua terra, sentir tua areia entrando por debaixo das minhas unhas, mergulhar na tua praia, desvendar teus mistérios... te conhecer.
Não esperei de fato um dia, aportar meu barco alí, mas para minha surpresa, sorte, ou azar (nunca há de se saber), suas águas puxaram o meu barco para ti, e quando dei por mim, você havia abarcado em mim. Queria que eu lhe conhecesse.
Queria que eu lhe conhecesse, e queria me conhecer, como podia ser?! Foi um regozijo, uma sinfonia inteira em forma de noite à luz de um abajur velho, no calor que você odiava. Te mostrei o meu barco, te convidei para sentar-se à proa, e você queria saber. Eu sentia tua euforia, ouvia tua vontade de mostrar tuas terras à mim, e eu apenas ouvia mesmo... absolutamente curiosa, apreensiva, com um pouco de medo. Existem coisas afinal, que preferimos cultivar no mundo das idéias, e isso me bastaria talvez. Você na idéia, era confortável, porém, ali você estava se tornando real, e consequentemente, parte da realidade líquida. Eu podia ver coisas que eu não imaginaria que havia em ti. A ilha não era perfeita, afinal. E adivinhe: Isso foi o que me deslumbrou, absolutamente. Me encantei realmente pelas imperfeições, obscuridades, pelas diferenças, pelas árvores que outras pessoas cortaram e rastros, em meio à sua floresta que eu desbravava.
Assim, fui me adentrando, com cuidado, pois, sabia que talvez a ilha não quisesse que eu passasse além da praia. Tentava não demonstrar o quão eu queria estar ali, tentava não demonstrar o quão você superava minhas expectativas, tentava não demonstrar que eu me perdia naquele lugar [porém, nem eu mesma sabia disso naquele momento]. Tentava fazer tudo que eu não queria fazer, e mesmo assim, acredito que não tenha tido muito exito em meus fingimentos aos seus olhos, sempre achei que você via. - Somos educados a ser rígidos, duros, auto-suficientes, deslumbres e expectativas são para imbecis, "não podemos esperar nada, não podemos contar com ninguém, não podemos criar expectativas". - Bullshit, hoje eu sei o quão escapista e traumatizado é esse pensamento, mas sempre foi assim que pensei, fiz como a maioria. Temos que ser mornos, afinal.
Por isso, tentei também, ir para outro lugar. Por que? Talvez para mostrar que não estava tão deslumbrada assim, a ponto de largar uma rota que eu já havia planejado antes de te descobrir em meu mar. Algo me dizia para ficar, mas eu queria acreditar que quando eu voltasse você estaria ali para eu continuar a deixar minhas pegadas em você.
Falhei. Falhei e não consegui dizer que sua ilha era tudo e mais do que eu esperava, e ouvi você dizer: Eu não estou sendo o que você esperava.
Dentro desta frase, as águas da praia secaram no momento do meu salto de volta pra você, e eu caí num chão vazio e arenoso. Naquele susto, corri pro meu barco, mas não queria ir realmente. Tentei fingir que eu queria ir embora, e que isso não era um problema pra mim: Eu lhe entendo, eu disse. Não, não entendia.
Chorei quase todo aquele mar de água salgada onde meu barco havia voltado à deriva. Sem norte, sem bússola, sem saber o que eu perdi. O que eu perdi? Me perguntei incansavelmente. Em qual parte do filme eu dormi, pra ter acordado nos créditos?
Tentei (novamente, essa palavra), lhe mostrar alguma das minhas lágrimas, como se você quisesse alguma. Voltei à tua ilha, cheia de águas para derramar nas tuas mãos, e pensei: olha quantas águas ele tem, por que uma lágrima salgada minha seria relevante, em meio a essa realidade tão líquida? De que o serviria uma lágrima a mais nas águas "desatraídas" dele? Então, tudo que consegui fazer foi pisar na tua terra novamente, deixar suas areias entrarem debaixo das minhas unhas sujas uma última vez, e ouvir você ler uma lista de sentimentos que havia escrito, enquanto eu não conseguia pronunciar nenhum.
Nem um. Nenhum nome de sentimento saiu da minha boca, e me afoguei na volta pro meu barco, das águas que eu engoli, e dos sentimentos que eu relevei, por ver sua ilha se desfazendo como uma miragem ao horizonte.
Não dá mais pra voltar, perdi o caminho, eu sei. Tenho certeza que muitas outras pessoas passarão por lá, e espero que sejam estadias mais longas do que a minha, que dê frutos para a sua terra fértil, como eu não tive tempo de dar. Hoje, tento apenas guardar um grão de areia que tenha sobrado debaixo da minha unha, como uma ostra guarda os grãos que entram em seu corpo, os transformando em pérolas. Uma pérola negra, rápida, dolorida e valiosa, assim ei de lhe guardar.
Depois de ti, não mais aportarei em terras de amores líquidos.
19/05/16
Nenhum comentário:
Postar um comentário