terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Impossível - Maria Martins. (escultura)


Eu grito no vácuo da tua boca, cuspo tua saliva, engulo teu catarro, de longe. Só vontade, crua vontade, regurgita nossas formas. Formas tortas, por assim iguais, e impossíveis em seu encaixe. Não há encaixe. Encaixote-me longe de você, afasta-me dos teus seios, que os meus, já arranco, quisera sem sentido, fodesse. Capte-me tanto à angustia, quanto a um puro deleite de bronze em estátua. É impossível, nós, de dois em um. Impossível e surreal, de que tão abstrato seja.

- Texto feito especificamente para a obra "O Impossível" (Maria Martins, 1940), de uma expressividade inexplicável em mim.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

o lírico, onírico.

Ontem eu finalmente tive um sonho. Não com você: eu sonhei você.
Sonhei a estrada. E eu olhando o mapa, este, cujas rotas me lembravam ligações cerebrais, em tom roxo, em tom sépia, em Tom Zé no rádio do carro. A mala me trouxera ao posto. Para mim, uma aventura. Para você, uma loucura. Varrida. Doente. Incógnita. Assim me chamei, e fui te chamar, para ver a boa nova.
Eu sonhei você. Es te vi na tua porta. Uma música toda, parado em minha frente, me olhando assim assado, e assim assando minhas vontades sobre você. Imagens coloridas nossas, se mesclando com o seu rosto estático no portão, sem piscar. Eu não soube para qual quis olhar, mas eu vi!! Ah vi, seus olhos líricos: me chamando colorido, me odiando azul noturno, me conhecendo amarelo dia, se enjoando acinzentado chuva, me amando em preto e branco. Eu e minhas malas perguntamos, "será lírico, ou apenas... onírico?"

Acordei, engomei a bagagem, e fui embora.

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Para Jonas.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Minha dessabença

Ao meu senso
Não o pó
Ou o átomo
Não o câncer
Nem o genoma
Não o verde
Ou a organela
Não o micro
Nem a energia
Não o macro
Ou o cosmo
Não a extinção
Nem a explosão

Meu problema
São as datas comemorativas

Não a fome
Nem a seca
Não a poesia
Ou o trema
Não a cultura
Nem o ufanismo
Não o lado certo
Ou o Calabar
Não a censura
Nem o Parangolé
Não o véu
Ou a humilhação

Não me importo
Nem me concentro
Ou me estudo
Se tu não estás como outrora

Meu problema agora
São as datas comemorativas

Comemorando números
Em memórias de mim
Presenças
Em ausência de ti
E ausências
Em presença de outros
As datas comemorativas
Comemoram nossa falta
Desse ano
Em fartura de
Anos passados

O problema do mundo
São as datas comemorativas
Ademais, meu problema é amor
E amor é a dessabença do meu mundo.

domingo, 11 de abril de 2010

Culto Curto

Quero ser do interior
Chega desses livros descritivos
Você gosta enquanto
Não é protagonista

Queria ser caipira
Não esses homens de bigodes
Em preto e branco
Aceitem sua época

Queria ser caipira
Os poemas sobre o vaso
Não resumem a cena
Quero a cena seca

Queria ser caipira
Culto nada
Curto tempo pra isso
Curto saco pra eles

Queria ser caipira
Pois no interior
Todo culto
É curto

e vice-versa

domingo, 4 de abril de 2010

Peripécias de 4ª série.


03:31 da manhã! Veio-me à cabeça uma lembrança muito clara. O evento ocorreu 9 anos atrás, na minha sala da 4ª série B, e desde então, eu nunca mais havia me recordado disso.
Estávamos numa aula qualquer, quando a diretora (a chamada "Burdogui") entra e chama pela Vanessa, uma garota que sentava no fundo da sala, meio rejeitada popularmente por causa dos cabelos esvoaçados de tom cinza. Era feia.
O motivo da chamada foi o seguinte:
Cerca de uma semana antes disso, essa garota estava mudando seu quadro de rejeitada, e ficando popular, pelo fato de estar pagando lanche para a maior parte da sala no recreio. Eu ouvia os cochichos das outras crianças, dizendo que haviam ganhado salgadinhos da Elma Chips, com figurinha do pokemon dentro, balas, dadinhos, e até risoles e cochinhas de frango, especialmente a Juliana, uma loira Pop. Eu não estava inclusa na lista de presenteados, não sei porquê, desconsiderando o fato de que minha popularidade era tão "boa" quanto a da própria Vanessa, salvo os cabelos e o altruísmo momentâneo dela.
Até aí, eu mal tinha me tocado, ou parado para pensar na situação financeira da dita cuja, e muito menos na razão de tudo isso: estava ocupada demais na minha carteira, pensando no episódio de El Hazard que eu assistiria a tarde.
Porém, nesse dia em que a diretora chamou-a na frente de todos, esclareceu-se o caso! A Vanessa levantou da carteira, cabisbaixa, e foi até a porta, onde estavam a diretora, a professora Ione, e uma mulher magrela, que eu pensava ser coadjuvante inútil da cena.
Essa mulher magrela era mãe dela, e lembro da sala inteira ter visto e ouvido ela falar em voz alta - "Por que fez isso Vanessa?" - quando a diretora interrompeu e nos mandou não aceitar mais presentes dela, pois eram comprados com dinheiro roubado, adivinhe de quem; Da própria mãe. Quase todo o salário da coitada.
Isso foi dito em público, com todos presentes: mãe, filha, e idiotas figurantes como eu. No dia seguinte, eu já havia esquecido, preocupada com meu novo mangá. Mas ainda sim, ouvia cochichos em todo lugar, e só hoje, fui refletir em como isso foi dolorido e dramático!

Tudo culpa do filme "Os Incompreendidos", de Truffaut, que acabo de assistir. É tolice ver essas coisas antes de dormir...

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Dancing with myself


Não tenho isso
Eu tenho é gosto
Aquilo também não
E eu gosto
Nunca tive
Mas sei que gostarei
Uma vez mais, gostosa
Não sei de nada
Sei meu gosto
Não tenho nada
Eu tenho gosto
Eu só tenho gosto

Eu tenho muitos gostos
Todos os gostos
Gosto de todos

Eu tenho tudo
Do mal gosto
Gosto bom

Não sei de nada
Mas gosto, eu tenho.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Haja graça.


O bizarro, a comédia, e o drama, são cada dia mais, a mesma coisa para mim. O chocante dá lugar ao cômico que, na verdade, oculta o patético das pessoas que sofrem.

Assim, desfrutemos nossa cotidiana comédia.

Rosa Púrpura do Cairo - Woody Allen


Assistir a um filme, é como perder sua identidade por alguns minutos, para viver uma história desconhecida até então, ser outra pessoa, apaixonar-se, ou odiar alguém. Em determinadas ocasiões, inconscientemente, temos a sensação de que o próprio filme nos assiste, pois alcançam desejos, traumas, ilusões que temos, e sempre com um personagem do qual mais nos identificamos. Woody Allen sabe fazer isso comigo. Os filmes dele me assistem, da mesma forma que os filmes hollywoodianos da década de 30, assistiam Cecília (Mia Farrow), a protagonista de A Rosa Púrpura do Cairo.
Com uma explosão de metalinguagem tratando-se de cinema, o filme conta a história de uma garçonete pobre, ingênua e gentil, vivendo em plena a grande depressão americana. Tendo um marido que a traía e machucava, e um trabalho medíocre, ela encontrava conforto no cinema, o qual a fazia sonhar com todo aquele glamour que este vendia. Diante do desemprego, tensão econômica e política desse intervalo entre guerras, hollywoody promovia como nunca o american-way-of-life, o sonho americano de luxo e liberdade, com os sensuais cigarros, charutos, a Coca-Cola, e os Ford-T's passeando pela cidade. Cecília é o esteriótipo de cidadão da época, que ia ao cinema para penetrar na tela, viver o amor que sempre quis, e esquecer sua vida por alguns instantes. Porém, a pitada de comédia irônica de Woody Allen entra em cena, quando Cecília vai ver o novo filme em cartaz, "Rosa Púrpura do Cairo", pela 4ª vez, e um dos personagens, Tom Baxter, (Jeff Daniels), sai da tela e a convida para fugir com ele. A partir daí, seguem-se cenas impagáveis, de Cecília mostrando o mundo real ao galã.
Uma delas, se passa num restaurante caríssimo, o qual, depois de um jantar romântico, ele paga a conta com dinheiro falso, dizendo, "Oras, sempre aceitaram esse dinheiro no filme", e assim, eles saem correndo sem pagar, entram num carro alheiro, e Tom diz novamente, "Ele não está andando! Os carros sempre andam no filme." E então, com um jeito meigo, inocente e apaixonado, Tom conquista Cecília; isto é, até o ator verdadeiro aparecer, querendo levar seu personagem de volta às telas, e alegando gostar de Cecília também. Assim, a protagonista solitária, se torna a mocinha do filme, docemente encantadora e desejada por dois homens perfeitos (um do mundo real, e outro fictício).
Allen consegue misturar fantasia, romance, comédia, ironia, e crítica ácida de um jeito cativante, e ainda fechar com um final totalmente realista, contrastando com todo o decorrer do filme, para quem esperava algo "água com açúcar", é simplesmente um tapa na cara.
Rosa Púrpura do Cairo, com certeza é merecedor dos vários prêmios que ganhou, como: Oscar de melhor roteiro original (1986), Cannes (1985), BAFTA(1985), dentre outros, embora Woody não dê a mínima para isto. Na entrevista que deu para a Folha de S.Paulo em 2006, ele falou o seguinte sobre premiações:

"Não vou a esses eventos porque desgosto deles. Acontecem na Califórnia, eu moro em Nova York, tenho que pegar avião, viajar milhares de quilômetros, atrapalhar minha rotina, uma chatice, prefiro ignorar. Artisticamente não significam nada."

Para encerrar, colocarei aqui uma das frases que me fazem amar este indivíduo: "As pessoas sempre me enganam em duas coisas sobre mim: pensam que sou intelectual (porque uso óculos), e que sou um artista (porque meus filmes perdem dinheiro)." - Woody Allen.

fikdik

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Um diálogo.


ANDRÉ diz:
. eu ando pensando bastante na sensação que dá quando você vai num lugar onde pessoas que você conheceu moraram
. ou você mesmo
. eu fico em transe sempre que passo perto da casa onde passei minha infância
lídia diz:
. hm
. sabe, agora que tocou no assunto
. acho que isso pode explicar a minha ânsia indireta de sair de casa ou da cidade
. talvez eu queira sentir esse transe que você sente
. eu sempre morei aqui
ANDRÉ diz:
. bem pensado
. morar sempre no mesmo lugar dá nisso
. mas a sensação geral pra mim é de tristeza em relação a esses lugares
lídia diz:
. mas... isso não deveria ser uma coisa "boa"? Se não, eu não teria o impulso de almejar...
. eu já me imaginei olhando a árvore da frente da minha casa, daqui uns 30 anos
. me lembrando de "quando minha avó era viva"
. seria uma tristeza, mas ao mesmo tempo
. não sei... um sentimento hipotéticamente vivo e interessante
. não sente isso?
ANDRÉ diz:
. sinto sim
. é aquela velha sensação de nostalgia, não é?
[...]
[...]
lídia diz:
. acho que se a nostalgia fosse uma pessoa
. seria daquelas que você ama e odeia ao mesmo tempo
. aquelas bipolares
. que te fazem rir, como fazem chorar
. mas uma pessoa excepcionalmente reservada
. que dizem ser "meio morta"
. mas que te faz sentir vivo ao estar perto dela
. um negócio meio paradoxal, sei lá.
ANDRÉ diz:
. então, você pode interpretar a nostalgia como sendo nós mesmos
. todo o contraste da coisa
lídia diz:
. tem razão
. o nós do espelho... talvez?
ANDRÉ diz:
. hmm
. realmente
. parece ser uma boa visão das coisas
. ou de nós.
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A conversa foi mais ou menos assim, tirando os erros de digitação no msn.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Regurgitofagia - Michel Melamed

Parte I
"Confirmado, eu morri! Estou aqui apenas para esclarecer que não há vida após a morte. A gente morre e fim. Acaba tudo geral. No exato segundo em que se morre, perde-se a consciência e... Portanto não existe alma, reencarnação, inferno nem reino dos céus. A pergunta óbvia então: como é possível, se não existe nada após a morte, que eu, morto, esteja aqui querendo confirmar a inexistência? Simples, eu estou escrevendo este texto antes de morrer. É um misto de insight com presságio. De resto é poder contar com um pouco de sorte e eu estou apostando todas as minhas fichas. Afinal, não havendo nada após a morte, não há o que ser descrito. Apenas esta confirmação, que tenho certeza, de onde eu estiver, uma vez mais assinarei embaixo. Gostaria de aproveitar a oportunidade e agradecer por ter vivido. Um beijo todo especial para o mundo inteiro, e sorte e coragem pra vocês. logo, quero dizer, nunca!"

Parte II
"Confirmado, eu morri! Estou aqui apenas para esclarecer que há vida após a morte. A gente morre e começo. Começa tudo geral. No exato segundo em que se morre, ganha-se a consciência e... Portanto existe alma, reencarnação, inferno e reino dos céus. A pergunta óbvia então: o que é que tem depois da vida? Complicado explicar. Porque eu estou escrevendo este texto antes de morrer. É um misto de insight com presságio. De resto é poder contar com um pouco de sorte e eu estou apostando todas as minhas fichas. Afinal, havendo vida após a morte, farei todo o possível para me manifestar e contar tintim por tintim. Por enquanto, apenas esta confirmação, que tenho certeza, de onde eu estiver, uma vez mais assinarei embaixo. Gostaria de aproveitar a oportunidade e agradecer por ter vivido. Um beijo todo especial para o mundo inteiro, e sorte e coragem pra vocês. logo, quero dizer, ei, você por aqui?!"

Após ler as duas partes, acometeu-me um certo pessimismo característico, que eu chamaria, em outra ocasião, de tendência sádica. Uma certa repulsa ao final alternativo de vida após a morte. Repulsa à esperança de uma explicação mais complicada, que me renderia outras páginas pra ler em breve, morrendo de sono, e tendo que trabalhar no dia seguinte. Mas ah, esperança... esperância, eu diria! Para mim, essa palavra tem a mesma sonoridade de outras como lambança, ou matança. E por que, esperança, não seria derivada de mais um sortudo verbo, vítima do agressivo vilão, Ança, o sufixo popular com um quê de petulante? Seria uma espera, pintada de tola: uma esperança. Enfim, vê-se que minha fé na consciência póstuma está de fato, regurgitando aqui, após repetir esperança tantas vezes.
Então, e você? Qual palavra você mudaria nos textos para seguir sua vida em frente, e morrer em paz? Prefere não ler nada, para ter certeza do fim? Ou... está morrendo?! Oh, um beijo todo especial, e escreva-nos.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Entrelinhas, paixão-psicose.

Querida, fui comprar batatas! Hoje é um jantar especial. Estou preparando-as com molho de tomate e frango, você disse que era seu prato predileto da primeira vez. Onde você estava até agora? Estive te esperando o dia todo! Comprei esse terno novo, gel para cabelo, e um barbeador decente (sei que não gosta da minha barba). Onde você vai? Ajude-me a colocar a assadeira no forno, eu estou fraco. Faltou pimenta? Eu sou um frouxo, perdoe-me. Tome essa venda. Assim não verás meu rosto envergonhado. Não pode ir agora, comeremos juntos. Não quero fazer como antes, vamos devorar um ao outro essa noite, um ato de dois. Prestarei atenção e elogiarei seus mamilos, eu te digo, não me deixe. Não tenho sua mão para colocar a pitada certa de sal, ajude-me, não tenho mais sua mão para segurar há anos, e hoje, ela estará onde eu pedir. Não, você não vai! Engoli a chave de casa, terá de me abrir. Não, você não vai! Quantas noites não passei, te vendo da janela no apartamento dele, na rua de cima? Eu sempre soube. Você ia aos domingos, isto é, quando a "assistência" na enfermaria não a ocupava. Mas hoje, ao menos hoje, você será minha, sem receios, sem pudores, só minha, irá onde eu pedir! Minha sim, vadia! Pois seja essa vadia comigo também! O que quer com essa faca? Ah querida, esse corte não me fere em nada, comparado aos açoites que levei esses anos. Eu sempre me regenero, só pra voltar a te querer, e te machuco em troca, com o que mais tens nojo: eu, em você. Sim, mas é claro que eu já sabia dessa sua repugnância. Largue essa arma, não será uma bala que nos separará, você me pertence. Em todos os seus porres, nesses anos todos, eu estive lá. Em todas as suas "horas extras noturnas" do trabalho, eu estive lá. Em todas as suas trepadas, em todos os seus banhos, eu estive...

morrendo. Morrendo só pra te ver. Só pra te ter aos meus olhos. Então atire mais uma bala, esta na cabeça. E como se fosse diferente, assim eu termino: me arrastando, segundos antes da morte, pra ficar perto de você. É como eu disse, não adianta não. Agora, o sangue que sai de suas entranhas, finalmente, se mistura com o meu. Perdoe-me querida, eu treinei para ser um bom amante, mas esqueci que era apenas, o marido.

- Em nome dos obcecados personagens, Sancho, de 'Carne Trêmula', e Benigno, de 'Fale com Ela'. Um tipo de mente fácil de se encontrar (ou de se transformar), mas difícil de compreender.