terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Entrelinhas, paixão-psicose.

Querida, fui comprar batatas! Hoje é um jantar especial. Estou preparando-as com molho de tomate e frango, você disse que era seu prato predileto da primeira vez. Onde você estava até agora? Estive te esperando o dia todo! Comprei esse terno novo, gel para cabelo, e um barbeador decente (sei que não gosta da minha barba). Onde você vai? Ajude-me a colocar a assadeira no forno, eu estou fraco. Faltou pimenta? Eu sou um frouxo, perdoe-me. Tome essa venda. Assim não verás meu rosto envergonhado. Não pode ir agora, comeremos juntos. Não quero fazer como antes, vamos devorar um ao outro essa noite, um ato de dois. Prestarei atenção e elogiarei seus mamilos, eu te digo, não me deixe. Não tenho sua mão para colocar a pitada certa de sal, ajude-me, não tenho mais sua mão para segurar há anos, e hoje, ela estará onde eu pedir. Não, você não vai! Engoli a chave de casa, terá de me abrir. Não, você não vai! Quantas noites não passei, te vendo da janela no apartamento dele, na rua de cima? Eu sempre soube. Você ia aos domingos, isto é, quando a "assistência" na enfermaria não a ocupava. Mas hoje, ao menos hoje, você será minha, sem receios, sem pudores, só minha, irá onde eu pedir! Minha sim, vadia! Pois seja essa vadia comigo também! O que quer com essa faca? Ah querida, esse corte não me fere em nada, comparado aos açoites que levei esses anos. Eu sempre me regenero, só pra voltar a te querer, e te machuco em troca, com o que mais tens nojo: eu, em você. Sim, mas é claro que eu já sabia dessa sua repugnância. Largue essa arma, não será uma bala que nos separará, você me pertence. Em todos os seus porres, nesses anos todos, eu estive lá. Em todas as suas "horas extras noturnas" do trabalho, eu estive lá. Em todas as suas trepadas, em todos os seus banhos, eu estive...

morrendo. Morrendo só pra te ver. Só pra te ter aos meus olhos. Então atire mais uma bala, esta na cabeça. E como se fosse diferente, assim eu termino: me arrastando, segundos antes da morte, pra ficar perto de você. É como eu disse, não adianta não. Agora, o sangue que sai de suas entranhas, finalmente, se mistura com o meu. Perdoe-me querida, eu treinei para ser um bom amante, mas esqueci que era apenas, o marido.

- Em nome dos obcecados personagens, Sancho, de 'Carne Trêmula', e Benigno, de 'Fale com Ela'. Um tipo de mente fácil de se encontrar (ou de se transformar), mas difícil de compreender.

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